Anéis de arame para sobreviver
Lá pelos idos de 1981, eu, então Soldado da Aeronáutica (hoje sou Suboficial da Reserva), ganhava menos de meio salário mínimo e tinha uma RD 125 para "criar".
Essa moto foi adquirida com recursos provenientes do emprego anterior ao Serviço Militar Obrigatório e eu, tinha que fazer o milagre de mante-la "viva".
O motorzinho 2 tempos da RD que era toda linda e original, já estava bastante judiado quando a comprei e foi aos poucos, ficando sem compressão. Parte de cima do motor (cilindro e cabeçote) desmontado, por mim e meu primo João, o diagnóstico: Anéis quebrados (causaram riscos profundos nas paredes dos cilindros), folga nas biélas e uma das "gaiolas" (roletes dos pinos dos pistões) faltando umas duas varetinhas.
De cara vi que éra impossível fazer o motor a curto prazo. Naquele tempo as peças das importadas eram encontradas com certa facilidade, mas o preço... - Muito pior que hoje.
De posse do orçamento feito no Bravo das Motos em Realengo, mensurei que seriam necessários algumas centenas de salários de Soldado. O Haroldo (dono da loja e oficina) me alertou ainda sobre os gastos com retífica e as surpresas que eu teria ao abrir a parte de baixo. Quando falei para ele que a parte de baixo eu não conseguiria fazer em casa, por falta de experiência e ferramentas, ele riu e disse: Soldado! Quer um conselho? Ve se algum sonhador como você troca essa porcaria numa bicicleta.
Depois das 125 nacionais essas pequenas importadas "já eram", principalmente as 2 cilindros. Mas brasileiro não desiste nunca.
Cheguei em casa e resolvi que a RD não poderia ficar ali parada. Afinal eu tinha 19 anos e não dava para comprar outra moto. Ficar a pé? Nem pensar. Mãos à obra. Peças no chão, lixa fina, alicate, lima e arame de aço.
Limei as cavidades dos pistões até que ficassem no ponto de encaixar perfeitamente o arame. Preparei os círculos de arame para substituirem os anéis, limei bem as pontas onde foram cortados, para que fechassem com perfeição, lixei os cilindros para amenizar os riscos, fabriquei (com eixos das rodinhas de carrinhos de brinquedo) as 2 varetinhas das gaiolas e comprei apenas junta do cabeçote.
Motor montado, pé no kick e a RD voltou a rodar - não com a disposição que uma RD 125 tem (mas voltou). Isso mesmo! ANÉIS DE ARAME.
Amigos do Clássicas70, me perdoem pelo que fiz. A lei da sobrevivência não me apresentou outra saída.
A RD 125 ficou com os anéis de arame até eu vende-la para "fechar" com uma RD 200 da mesma cor - "meio cereja". A 200 estava com o motor bom, tinha partida elétrica (como todas as RD 200), mas estava muito feia. Ah sim. claro que avisei ao novo dono sobre os anéis de arame da 125, antes da venda.
A valente e linda RD 125 que sobreviveu com os ANÉIS DE ARAME, fabricados por mim, para que podesse continuar sendo uma RD 125, acabou transformada em RX 125, com partes de uma moto nacional acidentada. Isso sim um sacrilégio - obra do mecânico que estava fazendo o motor e a recebeu do dono, quando este não suportou o preço das peças.
DEUDETE (DAVI) OLIVEIRA
deusdet_davi@hotmail.com
Belford Roxo - Rio de Janeiro