O canto da sereia

 

Era uma vez uma graninha que estava  guarada para a restauração da minha única moto até então ( março de 2004 ), CB 400 F, comprada a dois anos antes... Aí então o meu concunhado Rodrigo me mostrou o jornal A Gazeta do Povo...

- veja, achei uma Suzuki ano 77 para vender, vamos ligar para saber só de curioso.

- O jornal de hoje em dia não se encontra mais anúncios desses, os tempos são outros , disse a ele.

Peguei o jornal e vi o anúncio e não sei por que a curiosidade bateu em saber qual o modelo era.

Diz a lenda que as sereias seduzem todos os aventureiros que se aproximam, levando ao naufrágio, embarcações ao colidirem em recifes causando um monte de desgraça. Errado. Até que prove ao contrário isso é lenda de marújo, mas só sei dizer que fui seduzido por um lindo canto de uma GT 250 azul da cor do mar e fiquei duro e sem as economias.

O seu " canto " era inédito para mim, nunca tinha ouvido o seu ronco, e tão pouco andando por essas bandas. A moto estava com o motor aberto e encostada atrás da residência da mãe do proprietário, a qual tratou de negociá-la porque o rapaz já havia embarcado para a Inglaterra.

Depois de a ver com calma, percebi que era muito viável restaurá-la por estar 95% completa. Faltava a lanterna trazeira e forrar novamente o banco, no resto era completa , uma maquiagem ( cromo e pintura ) e retificar o motor.

Fechei o negócio e tratei do frete. Meu amigo Luis cláudio tem um  caminhão 1113 e fomos pegá-a duas quadras próximo de onde são realizados os atuais encontros de motos clássicas ( Arena do Atlético ) . Ao chegar na minha rua ele disse que não iria até lá por ser rua sem saida e não teria como retornar ou ir de ré seria complicado por ser estreito e a noite. Conclusão: Minha primeira voltinha foi empurrando-a ladeira a cima, 300m na escuridão da noite...

A restauração desta moto se deu porque o saudoso amigo meu de apelido "montanha" que todos diziam que algo de ruim iria acontecer com ele , pois pilotava a muito tempo com uns "goles a mais" de vez em quando, mas o fato que não morreu em cima de uma moto, porque sabia pilotar e muito; Me falou que a muuuuito tempo atrás via essa GT aos redores do estádio Joaquim Américo, coisa de uns dez anos no mínimo, aí então lembrei... deve ser ela.

No período da restauração que durou quase três anos, aconteceram inúmeros episódios que daria para escrever uma novela completa da Globo.

Uma das notícias foi saber que seria pai novamente e logo disse "se for piá a GT é dele" ... Papo para convencer a patroa que não iria gastar muito!!!

Muitos foram os contratempos: Fiqui sem renda por algum tempo... trabalhei em motos ( várias ) dos  colegas... Retomei a reforma da casa... Inúmeros causos e a GT ía ficando sempre em segundo plano.

Muitos de meus amigos me cobravam a conclusão da restauração ( em breve irá para o passo a passo ) porque a curiosidade era muita, muitos também nem tinham ouvido falar desse modelo.

Teve época que eu já estava acreditando que as sereias existiam, pois a moto estava ali quase virando "lenda" e apesar de ser uma moto completa, deu um certo trabalho por ser um exemplar raro de garimpar peças .

O meu conhecimento sobre ela se estendeu muito, descobri muitas particularidades suas. O modelo GT 250 nada mais é do que um relançamento de modelos de Suzuki da década de 60, no início da fábrica, uma delas é a 250 TB Colleda, uma moto que tinha um visual lindíssimo e bem clássico , típico dos anos 60 mas já vinha com um motor moderno de 6 velocidades, lubrificação automática e exatamente os 30cv da GT 250, ou seja, muita semelhanças entre elas.

Nessa época a Suzuki já começava a se destacar nas competições com a sua RT1 e iniciava grande briga com a Yamaha TD1 "a bisavó da TZ ". Em fim essa moto é um projeto antigo da Suzuki que se sabe muito pouco mas vale dizer que foi com esse motor 250cc bicilíndrico que o gigante se projetou no cenário motociclístico.

Neste domingo que passou, tirei-a de uma vez da garagem e posicionei-a no cavalete central, todos os principais ajustes foram feitos e apesar de já ter ouvido o seu canto meses antes, faltava o principal, senti-la, ligar a chave, puxar o afogador, posicionar em pé ao seu lado esquerdo e segurando o guidon, golpear o seu pouco comum pedal do lado esquerdo do motor e escutar o som estralado de seu motor, vestir o capacete e levar a perna direita sobre o banco e logo em seguida soltar o afogador... Pronto agora é só engatar a primeira e se interagir com a máquina. Por causa deste detalhe que houve um dos maiores contratempos desta "obra", oito mêeses atrás esse momento teria  acontecido se eu tivesse tido a importância de ter feito uma bucha de bronze da segunda marcha que tinha uma "certa" folga no entalhado da primária e eu não dei muita importância , cometi o erro de montar assim, subestimando as leis da mecânica!!!

Mas tudo isso serve como experiência, o apressado come crú e o destraído engole mosca.

E ela andou depois de dez anos parada e a sensação foi como tirá-la da loja, impressionante e não é por que fui eu que a restaurei, mas ela ficou muito boa , firme deliciosa e macia de pilotar .

A surpresa foi grande ao chegar no encontro, alguns já até achavam que eu a tinha vendido...

VALEU!!! 

Alexandre Pacheco dos Santos
Curitiba - Paraná

aletunari@pop.com.br