Chicão e o Fiat 147

 

Em 1977, após deixar um dos meus empregos no jornalismo, eu fiquei na "rua da amargura", sem ocupação.

Um dos meus amigos à época, o Eduardo Maluf, convidou-me para trabalhar com ele. Fazendo o quê?

- Vamos "mexer com fibra de vidro" !

O Eduardo havia concluído um curso sobre fibra de vidro e, como ele sempre foi muito habilidoso com as mãos, queria iniciar uma atividade que, à época, era muito rentável, a produção artesanal de peças em fibra de vidro, que tinha como margem inicial "modesta" de lucro a casa dos quinhentos por cento (!!!).

Ele ficava a cargo da produção e eu dos projetos, já que eu desenhava e criava, embora eu "corresse atrás" de algumas encomendas.

A primeira encomenda foi revestir o tanque de uma moto Norton Commando 750 e fazer as tampas laterais de filtro e bateria para o Haroldo Gonçalves.

Através do Haroldo, de quem me tornei amigo, embora ele fosse mais velho que nós, eu conheci alguém mais velho ainda, dono de uma loja de autopeças na Avenida dos Autonomistas, em Osasco, o Francisco Confessore Cyrilo, conhecido como "Chicão".

Esse senhor, o Chicão, era um antigo motociclista que chegou a correr em Interlagos, ao lado de Edgar Soares e outros velhos "comedores de pista" à época.

A motocicleta era a "cachaça" do Chicão, que comercializava também antigas motocicletas italianas, como as Laverda, Guzzi, Gilera e outras.

O seu transporte diário, à época em que o conheci, era uma Moto Guzzi 750. Mas o Chicão, por ter família, às vezes precisava circular com um automóvel.

E o Chicão, por ser "oriundi", resolveu se atirar às raízes mediterrâneas e comprou um Fiat 147 !

Empolgado com a engenharia da pátria ancestral, propalou maravilhas a respeito do "engenho" a todo os conhecidos próximos.

Porém, como em toda estória que merece ser contada, algo contrariou as suas esfuziantes expectativas...

Algumas semanas após a compra, encontrei o Haroldo, que contou, em tom jocoso, que o "engenho" não era tão "meraviglioso"...

Mas o que frustrou o Chicão ?

O Haroldo contou-me que o carro não funcionava.

Como não funciona ? A bateria tem carga ?

- Acende farol, acende painel, o motor de arranque "vira"... O pistão sobe e desce, então...?

- É lógico, se o motor de arranque "vira"... Mas...

- O Chicão já desmontou o motor e montou, nada errado... Carburador ?

- Em ordem... Ordem de fogo dos cilindros? - Em ordem...? Ponto? - Já respondi !

Bem, deixa pra lá !

Após uns dois meses, um de meus amigos, o Evaldo Sobral, me perguntou sobre o Chicão e as motos antigas, a "Saturno", uma Matchless e outras...

Eu disse a ele que o melhor seria fazer uma visita ao "signore" e verificar 'in loco".

Consegui o endereço da casa do Chicão com o Haroldo e, num sábado, fomos eu e o Evaldo, no seu Fusca, para a cidade de Barueri, por volta de dez da manhã, para visitar o Chicão.

Encontramos a casa com relativa facilidade, graças às indicações precisas do Haroldo.

Batemos palmas, mas vimos que no quintal avarandado da casa haviam muitas pessoas e fomos convidados por um dos parentes dele a entrar.

Haviam vários homens lá, rodeando o Chicão, ao lado de velhas senhoras de duas rodas em perfeito estado, Gileras, Laverda e outras das quais não me recordo mais, interessados em fazer negócio.

O velho Chico nos cumprimentou, sem dar muita atenção e o Evaldo pediu para ver as motos.

Ao lado, à esquerda, notei a presença do "senhor" branco oriundo, o Fiat 147.

Perguntei ao Chicão se poderia olhar o carro.

Ele resmungou algo, em consentimento.

Abri o capô do motor e comecei a olhar... Evaldo, entra no carro !

Chicão, posso tentar ligar ele?

- Pô, todo mundo já mexeu !

Mas deixe eu tentar...

Evaldo, liga, sem pisar no acelerador !

Nhem, nhem,nhem,nhem, nhem...

- Eu falei que ele não funciona !

Evaldo, liga de novo ! Puxei o cano da gasolina e segurei com o dedo a extremidade...

Vai, Vadão !

-Vai acabar a bateria  !

Calma, Chicão ! Vai, Evaldo !

Soltei o dedo e a gasolina espirrou no bloco.

- Pára, você vai incendiar o carro ! Tá louco ?

Coloquei o caninho no lugar e pedi: Evaldo, liga !

Vrooooommmmmm...

O Chicão sai do meio da roda em que estava, esbaforido...

- Pô, o que você fez ?

Nada, Chicão, só tirei a bolha de ar que estava no tanque e impedia a passagem de gasolina...

- Mas como, eu desmontei o carro todo...

Mas não verificou a passagem de combustível ao carburador... Você já pode usar o carro, Chicão !

Depois disso, Chicão passou a me olhar desconfiado, como se eu fosse meio bruxo...


José Wellington Porto
wellporto@yahoo.com.br
Osasco - São Paulo