Heróis da Resistência

       

        Como não há mal que sempre dure, finalmente “debutei” como participante em um evento reunindo motos clássicas. As condições não foram as ideais como acho que deveriam ser, mas se for esperar que tudo dê certo para fazer alguma coisa, acho que morrerei de velho sem ter o gosto de curtir um pouco mais dessa velha paixão que é o motociclismo. Sem contar que o apelo foi realmente irresistível: voltar a Tietê, passados tantos anos da época das memoráveis corridas de motocross, em que se respirava motociclismo por todos os poros, seria uma emoção única, como realmente foi.

        Foi uma decisão de última hora, sem nenhum preparo ou confirmação de presença, achei que deveria ir e fui. Até mesmo o fato de ir de moto, afinal, até o último momento, eu estava decidido a ir de carro mas, por sugestão da Regina, minha esposa e que não gosta de motos, achei que aquela deveria ser uma tarde de prazer completo, mais uma vez, com o motociclismo me acompanhando por todos os lados.

        E assim fomos, eu e minha incansável companheira “miss quatrocentinha”, que mesmo depois de tantos anos de estrada, continua a me presentear com agradáveis sensações.

        O lugar não poderia ser melhor, um espaço rodeado por muito verde completado por um “jardim” de motocicletas. Já os motociclistas são uma atração à parte, com o passar do tempo e depois de tantos eventos, praticamente formamos uma família que  se reúne de tempos em tempos para matar a saudade e colocar as informações em dia.

        Conversando com uns e outros, vejo que a frota vai se renovando, alguns trocam de clássica para outra clássica, outros não resistem ao clamor da juventude e partem para modelos mais novos e confiáveis, outros ainda continuam fiéis as suas antigas máquinas, mas acabam deixando-as em casa e usando uma mais nova que os levem ao seu destino sem maiores surpresas.

        Porém, existem aqueles que como eu, seja por paixão, por falta de outras alternativas, de condições ou quem sabe, por pura teimosia, continuam a viajar com suas tradicionais companheiras, sujeitos ao que der ou vier.

        Mas existe ainda um outro tipo de situação que acabei presenciando naquela tarde, que me causou particular emoção. Há algum tempo, conheci o Dr. Jorge, proprietário há muitos anos de uma Honda CB 400 preta, daquelas primeiras fabricadas por aqui e que tanto sucesso fizeram, após um longo período sem importação de motos. Além de encontrá-lo nos eventos  de Águas de São Pedro, passamos a nos comunicar com maior freqüência depois que ele comprou uma 400 Four para restaurar. A compra da moto já foi uma aventura, pois foi encontrada em Cabo Frio, no estado do Rio de Janeiro e  imagine como foi ir buscá-la tão longe com uma camionete.

        Passei a me interessar pelo trabalho de recuperação, pelo fato de que ele vem procurando sair fora do usual caminho dos “restauradores profissionais” tão em voga atualmente. Posso dizer que  se assemelha  ao que fiz para montar minha moto, em uma época que faltava todo tipo de informação, mas que mesmo assim trouxe um bom resultado.

        Eis que encontro novamente  Dr. Jorge, agora acompanhado por sua esposa e viajando com sua mais recente aquisição, a “quatrocentinha carioca” que já está funcionando!

        Não preciso nem dizer que essa moto foi para mim a principal atração do evento, despertando curiosidade por seus detalhes e diferenças em relação a minha, pois trata-se de um modelo mais novo. Gosto de experimentar e permitir que outros motociclistas comparem minha moto a outras quatrocentas four, tanto para comparar rendimento, dar algum palpite ou ainda, sanar alguma dúvida que ainda tenha em relação a esse modelo, afinal, aprender nunca é demais. E assim foi com mais essa, trocamos de moto e fomos dar um passeio na estrada.

        A moto ainda precisa de um ajuste fino, dar uma melhorada na carburação, pequenos acertos em alguns detalhes e uma nova transmissão. Porém, a principal constatação, é de que estamos diante de mais um desses heróis da resistência, que não medem esforços pelo prazer de ver um sonho realizado, mesmo que o caminho a ser percorrido seja muito mais difícil que aquele da “conveniência” dos restauradores. Parabéns Dr. Jorge e bem vindo ao time !    


Lourdes, Jorge e Trivellato

 

Carlos Trivellato   
13 de março de 2006