750 Four ! Nunca esqueci o ronco !

 

Lembro que era começo da década de 70 e as primeiras 7 galo estavam chegando, mas eu tinha apenas oito anos e só ligava para o tri do Brasil no futebol.

Morava no Ipiranga em SP e fui ao posto de gasolina  para encher minha bola (de Capotão) e me deparei com o filho de um amigo de meu pai:

o Chico Loco . 

Esse cara era tudo de errado que se podia querer para a época. Ele estava calibrando os pneus de sua moto. Ela era grande, muito bonita e de cor creme.

Ele brincou comigo e após eu encher a bola me ofereceu uma carona até em casa, distante apenas três quarteirões do posto.Eu aceitei.Tive dificuldade em subir na moto pois era alta para mim.

Quando ele ligou (olha eu só não posso comparar a uma mulher na cama mas foi du caramba)me arrepiei todo... Aquele barulho me encheu a vida. 

Nunca tinha ouvido nada igual. Me agarrei no Chico e ele saiu feito uma bala.

Meu coração de criança batia desesperado em um misto de medo e alegria (pura adrenalina). Parou três quarteirões depois e foi o bastante para eu me apaixonar(não pelo Chico; pela moto, cara !).

Após uma breve despedida e uma promessa de uma volta mais longa ele, saiu de novo levando um pedaço do meu coração.Esqueci a bola e fiquei pensando na moto por um bom tempo.

Passados uns dois anos encontrei novamente o Chico junto com o Tinho, um outro cara muito legal. Mas mais mansos, eles comercializavam prata de lei e bijuterias na rua Augusta, na Brunela.  

Como eu era cara de pau, me convidaram para chegar nas meninas e oferecer o produto. Sabe como é: loiro, bonitinho e tal,grande oportunidade... Dessa vez a ida foi de carro, mas valeu. 

Eu estava no meio delas, tinha uma cassetada de sete galos. Rick Store, rua Augusta, Brunela, Ibirapuera... Foi muito legal. Aprendi o caminho e quando podia dava uma escapada e ia ver o pessoal ralando no Pandoro. Era muita adrenalina (saudades do Jacaré).

Passaram-se os anos e o barulho sempre me perseguindo. Eu ouvia na rua e já saía procurando.Em noventa comprei uma XLX350... não era minha praia, mais foi o que pintou(consórcio manjas). Tentei em vão trocar a XL em uma galo, mas minha mulher me disse:"Tua moto é novinha essa ai é velha!" (cara quando ela falou isso  deu uma vontade de por as duas no rolo:  a mulher e a XL).

 Pô, sonho é sonho, mas estava adiado... Esperei mais quatro anos, até que numa sexta-feira pintou um anúncio na gazeta do Ipiranga. Era uma sete, vermelha, modêlo 77. Mandei o cara trazer a moto. Ele regateou mas eu falei: Se eu gostar pago na hora. Não quero nem andar ok... E o bicho veio, parou na porta da loja onde eu trabalhava em família, olhei a moto, fiz o cheque.

 O cara ficou desconfiado mas fui ao banco com ele. E o neguinho liberou. Dei uma grana para o taxi do cara e ele se foi .Fui chamado de tudo quanto é nome pela minha mulher e demais famíliares presentes na loja. 

Mas esta feito. A galo é minha! Passei o resto do dia olhando para ela esperando a hora de ir embora. Primeira ligada na minha galo não pegou. A bateria estava detonada. Tudo bem vai no pedal uma, duas, três... trinta e três, pegou! roncou forte! 

Fui embora, eu e meu sonho de criança. Demorou para levantar a Catarina (nome da velha senhora) mas ficou legal.

 Foram anos de trabalho e aprendizado, mas ela ficou como eu queria.

 Agradeço a minha mulher pela paciência comigo e vejo que valeu a pena não tê-la posto no rolo com a XL, pois se não fosse os momentos de paz que ela me propiciou eu não teria conseguido. 

Agradeço a meu irmão e cunhada pelas peças made in USA, a minha irmã Vera por colaborar me levando na Brunela para um sorvete (sem saber o que estava por vir) e tambem, a Victor Macaya Palau (homem a quem o motocicismo nacional e  mundial deve muito) meu grande amigo que me ensinou a cuidar da Catarina e que me consola quando ela dá defeitos dizendo:" Compre uma moto mais nova !!!! uma Black Bird. 

Voce sabe como é, né?" Não, não sei. Eu fico com a Catarina. 

Afinal ela não paga IPVA, certo?       

Fernando José dos Santos Annes