LIÇÕES DE UM ACIDENTE

 

Dia 03 de julho de 2012, estou indo para Tubarão para uma consulta médica com minha cardiologista, pois tenho uma cirurgia-angioplastia marcada para o dia 06, e queria saber detalhes do procedimento.

Pego minha RD 350,ano 1976, que está comigo há muitos anos, sem qualquer incidente relevante, e vou para a estrada.

Rapidamente chego em Tubarão, pois são somente 35 kms, sem nenhum problema, mas não consigo falar com a cirurgiã, pois se encontrava em procedimento.

Como está muito frio, e como costumo usar capacete aberto, resolvo colocar na moto um parabrisa tipo bolha, fumê, em uma loja da cidade.

Peça instalada, dou uma volta pela cidade e pego a BR de novo, retornando para Laguna.

Assim que entro na BR, um pouco à frente, vejo um caminhão pelo acostamento e uma carreta tipo cegonheira - bastante comprido - ultrapassando pela pista da direita, sobrando a pista esquerda livre.

Inicio a ultrapassagem numa velocidade pouco acima da cegonheira, e quando estava mais ou menos no meio dela, esta repentinamente toma a esquerda, me fechando a saida, talvez, penso eu, o caminhão que estava no acostamento tenha resolvido entrar na pista e a cegonheira cedeu espaço.

Pois bem, como a minha velocidade era de aproximadament 90km/h, pensei em 1 ou 2 segundos, o que fazer ?

Com certeza a cegonheira não me viu ao seu lado, e naquele instante analisei a situação da seguinte forma; se continuar a ultrapassagem, posso não ter espaço lá na frente para passar e vou colidir no rodado dianteiro do caminhão, caindo embaixo dele, e adeus mundo cruel.

Se tentar frear, lembro que estou bem colado às divisórias das pistas, de concreto, na parte suja, com areia, detritos entre outros, e que posso derrapar e cair em frente aos rodados traseiros, sem qualquer chance.

Minha última alternativa, desacelerar.

Foi o que fiz, porém a moto entrou num shimmy violento, incontrolável, e bati com a pedaleira esquerda nos blocos de concreto, caindo de peito no chão, e voando baixo por muitos metros, felizmente o caminhão já havia se adiantado um pouco e foi embora, evitando o atropelamento.

Possivelmente o motorista nem tenha me visto. Porém durante a queda, tive tempo para pensar e apoiei a mão direita no asfalto, tentando me frear, e o braço esquerdo foi "lixando " os blocos de concreto, até rasgar a blusa e o proprio braço. Já minha mão direita, onde me apoiava, foi rasgando a luva, de couro, e passou a ralar a palma, que ficou "reta", inclusive as pontas dos dedos que ficaram "chatos", pois comeu tudo, tendo envergado a unha para traz, e fiquei sem digitais em três dedos.

Por sorte, estava com um colete de nylon, que possuia fivelas na frente, onde o asfalto comeu, não pegando no corpo, porém os joelhos também foram devidamente "lixados", pois a calça jeans não resistiu.

Ah, eu disse que estava de capacete aberto, pois bem, durante o rasante no asfalto, que durou poucos segundos, mas para quem o está vivendo, parece que foram minutos, tive tempo de olhar para o braço que ralava a divisória, e ao voltar a cabeça para a mão direita, o peso do capacete me fez encostar o queixo e nariz no asfalto, começando a ralar também.

Não sentia dor, nada, apenas esperando que o inferno acabasse.

E ele acabou, vários metros depois.

Quando parei, sem pensar em nada, me levantei, e como não tinha nada quebrado, fui buscar a moto que estava bem no meio da pista, e como tinha parado depois de uma parte elevado da pista, pensei que os veiculos que estavam vindo muito além da velocidade permitida, não podiam ver que havia um acidente à frente, e poderiam passar por cima de mim e da moto, razão esta que rapidamente a tirei e pus no acostamento.

Por incrivel que pareça, permaneci o tempo todo calmo, o que me salvou a vida, como explicarei mais a frente.

Pois bem, já de pé no acostamento, chegou um homem com uma maleta com curativos, que soube depois, tinha assistido a tudo pois vinha com seu veiculo logo atrás, e era da área da saúde, e passou a fazer limpeza e curativos provisórios, o que só tenho a agradecer, e nem sei quem era.

Voltamos ao acidente, fui olhar melhor a moto, que estava sem tanque, que saiu quicando pelo asfalto até cair do outro lado da pista, tendo amassado bastante.

O novíssimo parabrisa todo quebrado, a moto tinha duas maletas de fibra, que estragaram bastante, porém ajudou a esta não sofrer maiores danos em sua estrutura, já que tirando as maletas, a moto poderia voltar a origem.

De resto, pequenos detalhes, como espelho, painel com ralado, e pedal de cambio torto.

Logo em seguida chegou a PRF, e a ASU dos Bombeiros, porém eu já havia chamado o caminhão do guincho e meia hora depois colocamos a moto em cima e fomos para casa.

Lá chegando, fui tentar tomar um banho para ir ao hospital, porém quando A PRIMEIRA GOTA, caiu do chuveiro e bateu no meu braço "recém-descarnado", meu irmão, que dor, dei um pulo pra traz, e deixei o banho para outro dia qualquer. Minha esposa não estava em casa, e fiquei esperando que ela chegasse para irmos ao hospital, onde fui dirigindo meu carro, com o sangue pingando, onde fiz os curativos necessários e voltei para casa.

O médico me orientou para que trocasse os curativos todos os dias, até a cicatrização, e por sorte minha filha que cursa enfermagem é que me teria como cobaia para seu treinamento, porém no outro dia ao "tentar" tirar o curativo velho, MEU DEUS DO CÉU, se essa gurizada que anda fazendo loucuras em cima de uma moto sabe o quanto é dolorido um braço BEM ralado, eles jamais fariam o que fazem, mas tinha que aguentar a dor, e assim foi durante várias semanas até que cicatrizasse completamente. OBRIGADO MINHA FILHA.

Explicando o inicio da história, sobre manter a calma;

É o seguinte, como tinha uma cirurgia no coração para o dia 6, devido à uma artéria entupida, estive a beira de uma parada cardíaca durante o acidente, devido à descarga de adrenalina no sangue para poder segurar a dor e me manter de pé.

Quando fui ao médico, 3 dias depois, este ao saber do ocorrido, mandou imediatamente fazer um exame de sangue para ver em que grau chegou a descarga de adrenalina, e diante do resultado, 5, em uma tabela que vai até 5, este disse que se o acidente não me matasse, o coração o faria, porém pelo meu estado calmo que consegui manter, ainda estou vivo.

Vamos ás lições;

O que causou o shimmy - talvez a colocação do parabrisa tenha desestabilizado a moto - pois como já tenho esta moto há muitos anos, e nunca ocorreu nada parecido, mesmo tendo andado em velocidades proibitivas, talvez o vento forte batendo no acessório a tenha derrubado.

Outra; capacete aberto - se estivesse com capacete fechado, não teria ralado o queixo e o nariz.

Luvas - se estivesse sem, provavelmente minha mão direita estaria inválida, pois até ralar a luva desta mão, consegui me frear o suficiente para não "gastar até o osso".

Colete - se estivesse de blusa, esta não teria a proteção das fivelas de nylon que evitaram ralar o peito e barriga .

Hoje,dia 26/11/2012, já estou completamente recuperado, as cicatrizes são quase invisíveis, a moto já foi consertada, minha cirurgia foi feita, inclusive comprei uma Fazer 250,que parece estar com o freio de mão puxado frente à RD, mas está parecendo mais com a minha realidade, pacata, silenciosa, econômica, facil manutenção, pois desde que a RD ficou pronta, há muito tempo, que ela está parada, parece que alguém me mandou um aviso....vai com calma, devagar, a vida é bela, não apresse as coisas, não chegue lá tão rápido.

É, acho que vou demorar mais um pouco por aqui, passei perto, muito perto, de virar estatística, mais um número no jornal, mais uma notícia.

Espero que este depoimento sirva para alguns que irão me ler, aprender que a vida é curta, que a dor fisica de uma acidente é muito ,mas muito dolorida, que me fez, aos 55 anos, chorar, quando sua própria filha, ao arrancar o curativo do braço, mesmo com toda a delicadeza e cuidado para com seu velho, tirava junto com a atadura, um pouco de carne e pele que se entranhavam no meio das fibras do pano.

É muito doído, muito.

Dizem que não se ensina truque novo a cavalo velho, É MENTIRA, mesmo com esta idade, aprendi a andar sem estar em uma competição, aprendi a conduzir sem estar necessariamente pilotando, aprendi a desfilar, sem estar correndo, e dou graças a Deus, por não estar com minha esposa ou minha filha na garupa neste acidente, caso contrário a cirurgia no coração poderia ter dado errado que não me importaria.

Jader Silva,
mav876@gmail.com.br
Laguna - SC