Minha Primeira Caloi

 

Fitchel Sachs 50 Caloi- Parte I

Pois é... Minha história não começa com uma clássica, mas não foi muito diferente. Isso aconteceu pelos anos idos de 1962 - 1963. Dois de meus amigos abandonaram suas bicicletas e adquiriram as Leonettes de 2 marchas que começavam entrar no nosso mercado. Eu, nessa época ganhei uma bicicleta pneu balão.
Como poderia passar para uma moto? Grana? Nem que meu pai quisesse, não conseguiria tanta grana.
Aí veio a imaginação, ajuda dos amigos etc. Rifei a bicicleta.
Cem números, não me lembro a quanto, correndo pela Loteria Federal de um certo dia.
Não consegui vender todos e nem o suficiente para cobrir o preço da bike.
Sorte: saiu um número que não havia vendido. Adiei a rifa e continuei vendendo, num esforço danado. Ninguém mais do meu conhecimento queria comprar. Bem, faltavam dez números e o dia veio, só que dessa vez o cofrinho tinha um pouco mais. Mais uma vez deu um número que não havia vendido. Induzido pelos amigos e outras pessoas que tinham comprado alguns números da rifa, diziam que a bike era minha e que eu a havia ganhado, já que os números não vendidos eram meus. Convencido disso vendi a bike, juntei essa maravilhosa grana que dava cerca de alguns milhares de cruzeiros na época, mas que nem de perto dava para comprar uma Leonette usada e baleada.
Foi aí que um amigo me avisou que conhecia uma pessoa que tinha uma moto desmontada no fundo de sua garagem e queria vender. Fui até lá e entusiasmado, vi aquela sucataiada em três caixas de papelão, e a pessoa me afirma o preço: 27 contos e quinhentos, sei lá de que dinheiro, e eu, juntando tudo que tinha não passava de 25. Claro ofereci os 25 no que ela me diz: Gastei 2 contos e quinhentos de cromeação e não abro mão disso.
Voltei pra casa chateado contei a historia para o meu pai. Aí o velho me diz: Você é mesmo capaz de montar essa moto dessas três caixas? E eu enchi o peito: Claro, monto sim.
Ele com seu olhar desconfiado: Está bom, eu te dou os dois contos e quinhentos faltantes, mas você terá que colocar para funcionar.
Nossa! Vocês não imaginam a minha alegria, saí e fui contar pra minha galera.
No dia seguinte fomos na casa do vendedor e aí outra surpresa: Estou ocupado e  só posso te atender daqui a três dias agora não posso.
Que agonia. A moto tava ali pertinho e eu não podia fazer nada.
Será que ele vendeu para outro, será que ele se arrependeu? Eram esses meus pensamentos. Não dormi os três dias restantes.
Chegada à data, era um feriado prolongado, acredito que finados. Fui até a casa da pessoa que ia me vender aquelas três caixas de peças sujas que eu chamava de "moto". Tudo acertado, e agora? Não havia pensado em como levar tudo aquilo para minha casa.
Não dava para levar nas costas.
Bem, mais uma vez o entusiasmo contagiante de meus amigos me ajudaria. Fomos na casa de um deles cujo pai tinha uma Vemaguete, e ele se dispôs a ir buscar conosco a "Moto".
Quando fomos colocar aquelas peças na perua, me lembro dele perguntar: Você tem certeza que está comprando uma moto? E todos em coro: "Temos sim e vamos ajudar o Pedrão a botar pra funcionar", e lá fomos nós para minha casa, que possuía um pequeno quintal e não tinha nem entrada para automóvel, botar a moto para funcionar.



Fitchel Sachs 50 Caloi- Parte II

Chegamos em casa, não me lembro de quantos amigos lá estavam, 2 ou 3, sei lá, mas a galera toda de-um- em- um passava por lá pra ver a minha "moto". Acho que se tivesse comprado uma Ferrari não estava tão contente.
Começamos a limpar as peças.
O meu pai sempre teve em casa algumas boas ferramentas e sempre havia querosene ou removedor, já que na época os assoalhos eram encerados e para aplicação de nova cera era necessário remover a cera velha com removedor.
Tudo isso por que era feriado e o comércio não funcionava aos domingos e feriados, nem a venda do Seu Amadeu.
As cores das peças começaram a aparecer: o motor era prata: um motor de 49cc, câmbio de três marchas, dois tempos. O cromado das rodas estava em bom estado e elas começaram a brilhar. Faltavam alguns raios, mas isso não era problema, poderia ser deixado para mais tarde.
Na roda dianteira, faltavam as lonas nos patins. Bem... Podíamos remover os patins, só para experimentar. E assim foi.
No eixo da roda dianteira que era como de bicicletas, rolamentos ajustáveis, porcas e contra porcas de ambos os lados, faltavam as porcas de um dos lados. Nós tínhamos muitas porcas em casa, mas nenhuma servia, pois a moto era padrão métrico, nada de que eu tinha servia (tudo era milímetro eu só tinha em polegadas).
Fomos limpar o tanque, meus amigos diziam: Só tem barro aqui dentro. Era o processo de corrosão se iniciando. Limpamos como podíamos: água e sabão e depois querosene. Lembro-me que um amigo meu me ligou no meio dessa farra toda.
Como ele havia morado na Itália, falava muito bem italiano eu fui comentar com ele: Olha a moto tem todas as peças fabricadas na Itália e são de um fabricante muito famoso, um tal de "brevettato", ele do outro lado da linha caiu na risada e me disse: O "ignorante" brevettato quer dizer marca registrada . Bem, enfiei a viola no saco e paguei o mico pela minha ignorância, mas que as peças eram bonitas e bem feitas, lá isso eram.
Depois de quase tudo limpo e inspecionado, à nossa maneira de consertadores de bicicleta, a montagem se iniciou.
Suas cores eram horrorosas: azul claro preta e branca e estavam descascadas em certos lugares, mas eu achava tudo muito bonito.
O dia terminou, estávamos exaustos, fomos dormir e combinamos no dia seguinte bem cedinho reiniciarmos os trabalhos. Eu acordei de madrugada para iniciar os trabalhos.
Começamos a montar, garfos telescópicos, rodas, banco, tanque, etc.
Não dava para fazer a parte elétrica, não havia um só fio na moto, somente o que saía do motor. Colocamos o motor no quadro, prendemos (ainda bem que os parafusos estavam lá).
O escapamento estava uma lástima, limpamos como podíamos.
Os pneus estavam rachados e traseiro tinha em dos pedaços do aro os arames de reforços expostos. Costuramos na borracha um arame fino e colamos a costura para montar o pneu remendado no aro.
Quase tudo pronto, faltava a mangueira de abastecimento de gasolina para o carburador. Não havia como conseguir alguma durante o feriado. Tive uma idéia quase brilhante.
Fui no quarto de minha irmã, roubei uma boneca que fazia xixi,  e a desmontei para pegar o tubo de plástico flexível que havia dentro dela.
Fomos instalar, e o tubo era fino, esquentamos demos um jeito e encaixamos meia boca para levar o combustível ao carburador.
O combustível,  era outro problema, pois não havia dinheiro para comprar. Mais uma vez os amigos das Leonettes ajudaram, cada um tirou um pouco dos seus tanques para me emprestar para funcionar o motor.
Pusemos o combustível com o óleo dois tempos direto no tanque (não havia misturadores como agora). Removemos a vela limpamos, lixamos e regulamos o platinado, verificamos a faísca virando o motor devidamente encharcado de óleo para não travar.
O motor possuía dois pedais como os de bicicleta, um de cada lado.
Tudo pronto, moto no cavalete comecei a girar os pedais para fazer o motor pegar, nada. Parei, um outro amigo continuou, acelerava e nada, de repente pipopocou alguma coisa.
Pulamos de alegria, voltei na minha posição e comecei a pedalar, o motor pegou e começou a fazer uma fumaça danada dentro da minha casa. Aí minha mãe saiu para reclamar e viu a boneca desmontada. Bom, acho que escuto o sermão até hoje.
A roda dianteira sem freio, sem as porcas de um dos lados, mas a traseira tinha freio e o pneu todo remendado estava dentro do aro.
Vamos para rua, é hora de experimentar, eu tremia de emoção. Acelerava e o motor respondia e lá fui eu. Primeira, segunda, de-repente um moleque não sei de onde veio corre para o centro da rua. Piso no freio traseiro derrapa, saio do moleque, mas não evito um ligeiro choque e ele foi pro chão e eu saí quicando de todos os lados até parar.
A vizinhança já na rua falando, gesticulando, eu não conseguia ouvir nada. Parei fui ver o moleque, ele não tinha sofrido nenhuma pancada, só o susto. Minhas pernas tremiam, montei naquela coisa e voltei em primeira até a minha casa que era dois quarteirões para trás onde meus amigos me aguardavam para saber o que houvera.
Perguntaram o se freio não funcionou? Pôxa! Só com o traseiro e acelerador puxado, como vou parar.
Pensando bem é melhor recolher e terminar essa montagem, parte elétrica, freios pneus etc.
Foi assim que comecei e até hoje ainda limpo e conserto peças, com muito prazer restaurando ou ajudando alguém a restaurar, o que posso.
Algumas motos que tive oportunidade de lidar: Caloi/ Fitchel Sachs 50, Motom /1960, Jawa/ 1952, BMW 1935/ 1956, Harley/ 1949, Yamaha R5/ 1970, Honda K2/ 1972 (que vendi para casar), Honda CB 400/ 1982 (que troquei por uma bala na perna em assalto)
Hoje ainda fico horas contemplando minha CBX 1050/ 1982, lembrando da minha Fitchel Sachs 50- Caloi.


Pedro Godoy

São José dos Campos - São Paulo

pedrolugo@uol.com.br