A ODISSÉIA DE UMA "STREET" NUMA PROVA DE CROSS  

Marcos V. Pasini


Em 1970, época em que tive a minha primeira Yamaha, uma F5 de 50cc modelo 1969, costumava passar minhas férias escolares em Itanhaém onde, com meus amigos também pilotando suas "cinquentinhas", costumava fazer uma espécie de "enduro" em um morro situado no começo da "Praia de Peruibe", também conhecida como "Praia do Cibratel", onde percorríamos seus caminhos íngrimes e tortuosos, com direito a saltos, atoleiros, pedriscos ( e tombos ).

Nessa época todos nós tínhamos motos semelhantes (na maioria F5), o que equilibrava a performance do grupo.


Yamaha F5 50cc (arquivo mc70)

Nos fins-de-semana, costumávamos ir conversar com o "Seu" Edgard (Edgard Soares) que também passava os fins-de-semana lá, onde nos ensinava e dava dicas de mecanica básica, para podermos fazer a descarbonização dos cilndros (tão necessária e frequente em nossos motores 2T), preparos leves e outras tantas coisas que necessitavamos e gortávamos de fazer em nossas motos, devido a carencia de mecanicos especializados na região e a necessidade de termos sempre a moto "andando" mais que a do colega ou de alguma eventual Honda 50cc ou 65cc que se aventurasse.

Foi lá que ouvi pela primeira vez a intenção de, junto à recém criada Yamaha Motor do Brasil e à prefeitura local, organizar-se uma corrida de MotoCross que seria a primeira no estado de S.Paulo, no morro onde costumávamos brincar. Porém o tempo foi passando e o assunto pareceu ter ficado meio no esquecimento.

 Em janeiro de 1972, quando cheguei para minhas férias de verão com a minha novíssima "street" bicilíndrica 2T, uma Yamaha 125 AS1 modelo 1971, encontrei na casa do "seu" Edgard um grupo do qual faziam parte, entre outros, nada menos que a dupla "Tucano" e Denísio (já os tinha visto em Interlagos), um técnico da Yamaha, recém-chegado do Japão, que mal falava o portugues, conhecido pelo apelido de "Tani" e um mecanico também japones, que era chamado pelo grupo de "Magrão", cujo nome era Tetsunori Inada.

O pessoal estava animadíssimo pois em fevereiro, no domingo de Carnaval, iria acontecer a tão sonhada prova.

Para aquele fim de semana, êles tinham trazido de S.Paulo tres Yamaha 125M de competição, que eram baseadas na 125 AT2 (versão "trail" de passeio).


Yamaha 125 AT2-M

Com essas motos, andamos, passeamos e caimos bastante, nos divertimos nas dunas de areia (antigamente tinha isso em abundancia em Itanhaém) só para "sentir" o desempenho daquelas novas motos.

Fiquei apaixonado pelo clima que efervecia, e começava a me arrepender de, ao invés da AS1, não ter comprado uma AT1 (a primeira "trail" de 125cc importada pela Yamaha Motor do Brasil), para poder participar da prova.

Mas a vontade foi tão grande, que acabei emprestando um jogo de pneus "trail" de um amigo que tinha acabado de comprar uma Yamaha 100 LT2.

Desmontei para-lamas, parte elétrica e acessórios, e fui para o morro treinar (era ainda janeiro).

O agressivo motor da AS1, de 15hp, conseguia, a duras penas,  acompanhar as AT2-M, que tinham 20hp.

O chassis porém torcia a cada salto, as suspensões batiam no fim de curso, freneticamente, como se tivesse alguem martelando o quadro.

Mesmo assim continuei treinando, com o incentivo de meus colegas e do "seu" Edgard, que me deu todo apoio técnico e logistico.

No inicio de fevereiro, a prefeitura começou a "preparar" o morro para delinear a pista, "boxes", "acertar" os saltos, "abastecer" os atoleiros, etc..

Aí comecei a treinar junto ao pessoal da equipe "Yamaha Motor do Brasil / Edgard Soares", recebendo dicas dos "profissionais" do time, começando assim a aparecer tempos mais baixos na cronometragem.

A equipe oficial, toda de Yamaha, é claro, era formada por "Tucano", Denísio e "Perú" com AT2-M, o Edgardzinho (filho) com uma 250 DT2 (versão "Trail",novinha) e o "Magrão", com (acreditem) uma Mini-Enduro 50cc (preparada pela Yamaha Motor do Brasil).

Me lembro de, no dia dos treinos, ter visto os irmãos Fifa e Nelo Carmona, porém não me lembro se também correram...

Era chegada a hora !!!

Domingo de Carnaval, a AS1 virando quase tão rápida quanto as AT2-M, apesar do quadro já estar comprometido e os amortecedores por um fio.

Largada da primeira bateria:

Tucano  faz a primeira curva, disparado, na ponta, Denisio Casarini vai em 2°, Edgardzinho com a DT2-250 em terceiro e uma Suzuki TS 185, que até hoje não sei de onde apareceu, ao meu lado.

Na primeira curva, o Edgardzinho "chama o chão" e, adivinhem..., este que vos escreve com a "sofrida" mas valente AS1, que despejando toda potencia daquele heroico bicilindrico fazia a reta da subida do morro só "triscando" a roda dianteira no chão e sendo "empurrada" pela tal Suzuki, que consegui ultrapassar na "confusão"do acidente da primeira curva, ocupando, assim a terceira posição.


"Tucano" na frente, não aparece na foto,  Denísio (n°.1) em 2°
,
 a Suzuki, pouco à frente da DT250 (no chão)  e "Eu" (n°. 10).

A essa altura, os pneus (tipo "trail"!!!) emprestados do meu amigo, já tinham ido "p'ro brejo" (afinal estavam sendo massacrados ha mais de um mes !!!) ao passo que a maioria dos concorrentes utilizavam pneus relativamente novos, tipo "cravo".

Ao fim da primeira volta, "Tucano" já liderava, com Denísio em segundo.

A TS185 já tinha me ultrapassado, e agora estava sendo pressionado pela AT2-M do "Perú".

Porém, no final da "reta"de chegada, que era uma curva de alta para a direita, o desgastado conjunto "amortecedores + pneus+ suspensão", não cumpriu o esperado e aliando-se a falta de experiencia em conter os ímpetos e a emoção...

Fomos p'ro chão! (a AS1 e eu).  


"Eu" e a AS1, após o tombo na 1a. volta da 1a. bateria.

Terminei assim a minha participação na primeira bateria com um cabo de acelerador quebrado durante a queda, sem reposição e sem mecanico (ele tinha ido tomar um banho de mar logo após a largada, me deixando na mão).

Um amigo que estava comigo nos boxes, o Reynaldo, se prontificou a emprestar-me o cabo de acelerador da moto dele, uma Yamaha YL1 100cc bicilíndrica, também “street”.

Trocamos, nós mesmos, a peça e preparei-me para a última bateria.

O problema foi que este cabo só permitiu aproximadamente ¾ de abertura do acelerador...

Fui assim para a última bateria e, é claro, com 75% da potencia + desgaste geral dos pneus e chassis “tomei páu” de quase todo mundo...

Após aguentar a gozação do "Magrão", que tinha conseguido classificar a Mini-Enduro, e procedermos à costumeira confraternização, era agora, a hora de pensar em "botar" a minha "street" de novo em condições de marcha, e assim foi.

Após um bom banho, remontagem, alinhamento, manutenção e alguma reposição, a AS1 voltou a andar normalmente, e rodou comigo, (em condições normais de uso, é claro), por muito tempo ainda, "dando páu" (de "0 a 100Km/h") em Honda CB250K, como costumava sempre fazer...