PENHA - Um Gênio Lúdico


No começo dos anos 70, quando comecei a andar de motocicleta e fascinado por corridas, conheci pessoalmente gente que já admirava há muito tempo e, naturalmente, me encantava.

Eram pessoas especiais, como ainda o são até hoje para os meus sentimentos e todas envolvidas no mesmo objetivo que era velocidade e corridas ou vice-versa.

Imagine um grupo de pessoas, adolescentes e adultos, das mais diversas profissões e atividades que se interagiam para o mesmo fim.

Então mecânicos, funileiros, técnicos em eletrônica, engenheiros, torneiros- mecânicos, comerciantes, comerciários, escriturários, enfim, gente pobre e gente rica que faziam do cotidiano um saudável encontro de uma geração excepcionalmente romantizada e dos portões do IEBA, FONTE LUMINOSA e BEACH BAR seu passeio mais longo.

Era uma mistura de motocicletas, pequenos e grandes carros com suas marcas imortalizadas que se misturavam pelo doce aroma de aventura.

Os grupos, penso, se dividiam e se identificavam por oficinas e escuderias.

As oficinas eram de motocicletas, de carros, de auto-eletro, de eletrônica.

As escuderias por afinidades, então TRABUZANA, 108 e PREOCUPADOS viviam harmoniosamente, principalmente considerando que o indivíduo se juntava à grande turma no objetivo final que era relacionado à velocidade.

Dessa forma, aos domingos à tarde, estacionavam na Fonte Luminosa carros como Corvette, Mustang, Dodge Dart, Galaxies e os imaculados Simca Chambord, GTX, Fuscas, DKV, Gordinis e Alfas, com seus atributos e encantos generosamente cuidados pelos seus respectivos donos.

Na minha ótica, saudosista talvez, o foco central desse movimento foram as corridas organizadas pelo Moto Clube Araraquara, na época presidido pelo jornalista Horácio Campos Martinez e os corredores de motocicletas.

Isso porque estes ilustres cavaleiros de aço tinham o poder de unir toda aquela comunidade para o mesmo fim.

Então, pessoas como Adolpho Tedeschi (Moto Dumbo), que tinha e continua tendo um talento enorme de só fazer coisas bem feitas, (Oficina do Nego) se acompanhava do Neto Dob, Marcos e Beto Placco, Paulo Affonso, Peninha, Valter Merlos, Eduardo Silva (Gordo da Aermachi), Dos irmãos da Cideral, Felipe Giansante, Paulo Pecin, José Antonio Pecin, Zé Dúvilio, Bianchini, Isaac e Carlinho Fotógrafo.

De outro lado, Dario Pires um Ducateiro por excelência, mais Antonio Carlos Silvino (Auto Mecânica Alpha) carregavam Camilinho Dinucci, Adilson e Luiz Mascia, Elias Abi Rached, Nivaldo Papini, Zinho Cefaly, Eng. Tom (Edison Puccinelli) e Adolpho Signini.

Os FAITOS por sua vez (Oficina de Torno e Tratores) armazenavam Luiz Antonio Cândido (Negão), Edson (Dinho) Dall'acqua, Edson Colombo, Vanderley Cavalari, Luiz Carlos Gonçalves que se somavam ao Toninho Das Dornas, Edmur, Manolo's, Ivo, Berto da Funerária, Ney (moto Ney) todos do Moto Veslam (Valdemar Zago).

Anexam-se a esta galera outros autônomos e notáveis como seu Augusto Speleta, Seu Ariranha, Enio Franchica, Yá, e outros tantos que o lapso da memória não me permite lembrar, que contribuiam para a existência do Moto Clube.

Das escuderias Pedro Mariotini, Carlos Alberto Segura (Melan), Paulo Pizzani, Emilio Carlos Montoro (Marcha) e tantos outros espalhavam o barulho da Trabuzana.

OS PREOCUPADOS do Clube Araraquarense e acho que alguns dissidentes de ambos, a 108 capitaneada por Ricardo Toloy.

Eduardo Luzia, Evaldo Salerno, Victorinho Barbugli, Hélio Alves Pinto, Valdinei Janela e Edivilmo Moraes de Queiroz guardavam seus segredos da velocidade na Universal Moto Penha, do saudoso JOSÉ DA PENHA MOREIRA, pra quem hoje dedico minha lembrança.

Tive a oportunidade, no pouco tempo que vivi esta geração, da sua convivência.

PENHA era diferente, um gênio lúdico.

Uma pessoa irresponsavelmente adorável, descompromissada, com os reais compromissos mais encantadores na arte da mecânica.

Tenho comigo lembranças impagáveis do seu talento e amor pelas pistas.

Como piloto teve uma carreira extraordinária, grandes apresentações, imaculadas conquistas, inclusive sendo bi-campeão paulista de motociclismo.

Títulos esses, dos quais, participei correndo junto ou somente assistindo.

Inesquecível para mim, um duelo memorável com o também extraordinário araraquarense Olimpyio Bernardes Ferreira, o não menos querido NETO DOB, quando lutaram pela vitória na última corrida do campeonato paulista de 1974 disputado em Interlagos, SP.

Minha YAMAHA FS 1 quebrou no meio da prova e se de um lado fiquei triste pelo abandono, por outro fui recompensado pelo privilégio de assistir a prova de ambos dentro do miolo do autódromo.

Foi uma aula para um jovem sonhador, entre as curvas do sol e mergulho.

Assisti a tudo, maravilhado com a visão ampla de grande parte do circuito e foi show.

Ambos patrocinados pela Fabrica de Pistões Rocatti (do grande Joaquim) tocavam de maneira irrepreensível.

Cada um com seu traçado, com sua marca.

Penha andava melhor nas retas, retomava melhor as saídas de curva, era mais leve, um jokey, usava rústicamente toda potência e conhecimento do seu motor enquanto o NETO era melhor no miolo, mergulhava melhor, freiava mais em cima, esbanjava detalhes técnicos e sangrava os joelhos prá acompanhar lado-a-lado o ritmo do campeão.

Cada um com sua técnica, cada um com seu jeito, mas, ambos pilotando com tanta emoção que esqueciam do próprio limite no acelerador e partiam para a vitória sem qualquer destemor e a qualquer custo.

Como mecânico, foi mais longe.

Conhecia melhor um motor de motocicletas que seu próprio corpo.

Tinha mais afinidade com a combustão do que com sua própria alma.

Criava, inventava, dava asas aos seus sonhos, vibrava intensamente quando descobria qualquer novidade que pudesse melhorar o desempenho das máquinas que mexia.

Mais parecia uma criança ganhando presente, do que um profissional altamente qualificado.

Esbanjava talento, e ao mesmo tempo, era de todo simples, indefeso, menino, despretensioso.

Certamente não tinha noção do tamanho de seu conhecimento e da sua representatividade.

Certa oportunidade, acompanhei os pilotos EVALDO SALERNO e EDIVILMO QUEIROZ nas 500 milhas de Interlagos, (12º colocados no geral) a corrida mais longa e importante do calendário nacional.

A YAMAHA TD 2 B, foi por ele tão bem regulada durante o sábado para a corrida no domingo, sem surpresas, que nos demos ao luxo de tentar dormir mais cedo dentro do próprio Autódromo.

Acontece que isso não foi possível, pois o mecânico Japonês - que oficialmente a YAMAHA importou para este fim - não conseguia por nada regular a motocicleta que no outro dia ganharia a prova de ponta-a-ponta.

E lá fomos nós para o Paddock da fábrica, quando encostamos na TZ toda conectada com fios em seus aparelhos eletrônicos modernos para achar o ponto.

Ele disse em voz alta e desconcertante: BENÊ, ESSE NÃO É O PROBLEMA!

Foi um burburinho geral até que alguém, cansado também e conhecedor dos seus atributos, o sugeriu para tentar resolver a pendenga.

Ele com todos os seus tiques e trejeitos foi calmamente desconectando todos os fios e quase que em transe partiu para a carburação.

De joelhos, encostou seu rosto no tanque de combustível, com a mão direita manteve a aceleração numa constante por um longo período como se entrasse e permanecesse untado dentro da máquina.

Como um Mozart foi tocando com a mão esquerda os comandos do ar, da gasolina e de repente RUNN ..........RUNNNNNN.....RUNNNNNNNN........ contagiro batendo no vermelho e o motor já estava afinado.

Sem maiores alardes, acelerou mais um pouco em êxtase e desligou o motor.

Recebeu, pelo semblante, um discreto muito obrigado do Nissei e fomos nós, afinal, dormir.

Por motivos como este imagino que TANIKAWA, quando chefiou a equipe de Jonny Ceccoto no campeonato mundial, que levou o venezuelano a arrebatar seu primeiro título, teria dormido melhor se o nosso gênio o acompanhasse.

Mais ainda: melhor sorte poderia ter tido o COOPERSUCAR FD 01 se ele acreditasse que o irmão Fittipaldi mais velho falava sério em tê-lo na fórmula 1.

São lembranças, velhas lembranças latentes, ainda presentes na minha alma.

São saudades de todas estas pessoas.

Saudade de uma época tão generosa que o tempo, sorrateiramente, vai colorindo poeticamente.

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LUIZ CARLOS DE OLIVEIRA
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