O prazer da condução limitado pela condição
Esta é a história do meu sonho de ser piloto e correr em Interlagos.
Aos 6 anos morava no morro do Marapé em Santos, ouvia o ronco dos motores dos karts que corriam na rua próximo a Igreja São Judas Tadeu, ia ver aqueles carrinhos passando em alta velocidade, me lembro de um que numa curva subiu na calçada e bateu em um portão.
Na adolescência ia a Interlagos sem dinheiro para comprar o ingresso pulava o muro depois do portão 3, passava pelo furo da tela em frente aos boxes, para ver os carros de perto, assisti provas da Formula Ford com Marivaldo Fernandes, José Pedro Chateaubriand e na Formula V e Super-vê com Alfredo Guaraná Menezes, Marcos Troncon, Francisco Lameirão, Eduardo Celidônio, Fernando Jorge e a conquista do campeonato de 1976 com Nelson Piquet, uma chuva de granizo que encerrou a corrida.
Além das provas de turismo Divisão 1 e 3 com ótimos pilotos entre eles: Paulo Gomes, Afonso Giaffone, Toninho da Matta, Edson Yoshikuma, Bob Sharp, Camilo Christófaro os pilotos de Santos : Ricardo Mansur, Cláudio Cavallini, José Ricardo Ozores Vallejo, Edgard Mello Filho.
Assistindo uma prova de turismo em 1978, na minha frente (da arquibancada) um Dodge Dart no grid de largada acelerando, fiquei todo arrepiado e comecei a pensar, não volto mais aqui já que não posso participar como piloto.
Comprei um capacete e me inscrevi no curso do Expedito Marazzi de Pilotagem, fiz a parte teórica e para fazer a aula prática tinha que assinar um termo me comprometendo a pagar todas as avarias e aulas do carro enquanto o conserto fosse realizado em caso acidente, na época estava desempregado e não conclui o curso.
Meu pai ironizou dizendo : vai correr de bicicleta.
Em 1980 entrei em um consórcio de uma motocicleta Honda CG 125 cc (o primeiro em Santos e a minha primeira moto), em menos de um ano fui sorteado. Em 1982 li no jornal que haveria uma prova da Formula Honda em Interlagos, fui assistir a corrida e no portão 3 comprei uma credencial de box, nunca tinha pensado em correr de moto, só em automóvel. Andando nos boxes tirando fotos das motos, perguntei aos mecânicos o que seria preciso para participar da categoria, peguei um folheto com o regulamento para meu conhecimento.
A vitória foi da equipe de Santos a moto 32 do Cecílio Feltrin da Camilo Motos (a proprietária Dona Lola não olhava para a pista ficava com a cabeça abaixada na mureta dos boxes, devido seu genro ter falecido em uma prova de longa duração).
Depois de ver o que poderia fazer na moto, resolvi que ia realizar o sonho de correr em Interlagos. Comprei o KIT da Honda pintei de azul e branco, o escapamento especial (na loja Coelho do pai do Alex Barros), guidão Tomaselli , desmontei motor e mandei para a retifica do MOA rebaixar o cabeçote, tinha que mudar o combustível para alcool, eu mesmo iniciei a desmontagem e montagem.
Me associei ao Centauro Motor Clube do Eloy Gogliano e a Federação Paulista de Motociclismo nº 840 como piloto Estreante e Novato.
Encomendei o macacão no Edmundo Mauricio Correa Couros . A primeira prova estava prevista para o começo de Março de 1983 mas eu não estava com tudo pronto, para minha sorte foi adiado para o dia 31/07/1983, dando o tempo para preparar a moto.
Antes da prova aluguei uma kombi e fui treinar no meio de semana para conhecer melhor a pista, quando regulava o carburador e a ignição, apareceu um rapaz simples que não conhecia e me disse para colocar o giclê 1,45 (o original da moto a gasolina era o 1,00 e estava usando o 1,50 de fusca) não dei muita atenção por estar concentrado e que várias vezes já tinham me negado informação com precisão.
A luta por apóio continuava, precisava de transporte e consegui com o Eng.º Getulio Chinen e Marco Antonio Rollim de Melo da empresa em que eu trabalhava RFFSA, deixaram a minha disposição um caminhão mercedinho e (ou) a própria pickup.
PRIMEIRA PROVA
No treino oficial da 1a prova aquele rapaz que tentou me ajudar no treino livre foi o Pole position seu Nome Adilson Zacarias "Cajuru", minha posição 27º (tempo de 4.31,55) entre 35 motos. Na largada não consegui fazer a moto pegar no primeiro tranco, todos saíram e fiquei para traz, por sorte na frente alguns caíram e escapei do bolo (inclusive o vencedor da última prova do ano anterior Cecílio Feltrin). Cheguei em 20º. Neste dia tirei uma foto no pátio fechado sentado na minha moto e conversando com um garoto de 13 anos, seu nome Alexandre Barros.
No intervalo até a 2a prova, fiz amizade com o piloto Santo Feltrin Neto que corria na 400 cc, ele me ensinou a fazer a moto pegar no primeiro tranco (engatar a primeira marcha, dar um tranco para traz e descomprimir o cilindro, deixar engatado com o manete da embreagem apertado, ficar sentado na moto dar dois ou três passos para frente, deixar o corpo cair sobre o banco e soltar a embreagem, a moto pegava de primeira.
Outra dica foi de colocar o pistão de 1 mm , pois o meu era standart e rebaixar o cabeçote no limite que o regulamento permitia, instalei freio a disco que antes era a tambor na roda dianteira (comprei num desmanche e troquei a tampa que estava com o apoio quebrado).
SEGUNDA PROVA
Na 2a prova dia 25/09/1983 sai na 24a posição e cheguei em 17º (melhor volta 4.21,77), o fato legal foi que no briefing antes da prova, um piloto que na primeira prova persegui a corrida toda e me aproximava cada vez mais, chegando bem perto, este me perguntou se era a minha moto que o seguiu na prova anterior e ficamos conversando pôr um bom tempo.
No dia 15/11/1983 participei de um treino livre para preparação da 3a prova que seria no dia 20 daquele mês, a pista estava molhada e começava a secar, ao sair da ferradura e fazer a subido do lago, a moto começou a sair de frente e não vi mais nada. Quando acordei a visão estava embaçada, vi alguns vultos a meu lado (logo pensei : morri) tentei me levantar mas a clavícula direita estava fraturada e não conseguia me apoiar com o braço no chão.
Meu cunhado João Carlos Ribeiro que sempre me acompanhava, estava com o meu irmão Pedro Contreras Muniz marcando os meus tempos e como estava demorando para concluir a volta, foi a minha procura e levou a moto de volta para o Box (O João pode dizer que andou meia volta no circuito de Interlagos) Esse mesmo ajudante num treino anterior para não me sujar, pois já estava de macacão pedi para apertar o volante onde ficava o platinado que eu tinha regulado, ao entrar no retão a porca do volante se soltou e voltei empurrando a moto da metade da reta até os boxes indo pelo anel externo cheguei muito cansado devido a subida.
Na queda macacão rasgou no ombro, a bolha da carenagem quebrou e o manete direito também. Fui para o hospital zona Sul (INSS) me colocaram um oito e me mandaram embora, fui assistir a corrida no dia 20/11/1983 não ia correr mas não conseguia ficar sem ver a prova.
Naquela semana o braço estava inchado e tinha muita dor , procurei o Hospital São Lucas em Santos, e o diagnostico do Dr. Franklin Rodrigues era que precisava de uma cirurgia, pois a fratura estava com músculos e nervos prensados, seria preciso limpar e unir o osso. Fiquei 40 dias com um colete de gesso e mais 65 dias para recuperar a musculatura, total de 105 dias afastado do trabalho (auxilio doença pelo INSS).
TERCEIRA PROVA
Em 1984 a Honda retirou o apoio e ficou uma bagunça total, fui me inscrever e me relacionaram na força livre com motos 2 e 4 tempos até 400 cc, em 23/06/1984 classifiquei em 10º e cheguei em 15º comparando com as motos da minha categoria cheguei em 7º.
CONCLUSÃO
Muitos me perguntam se ganhei alguma prova, a minha maior vitória foi superar as adversidades, um Auxiliar de Agente de Estação, na época com 6a série do 1º Grau, ganhando 2 salários mínimos, sem patrocínio nem paitrocinio, sem mecânico, quase nenhum conhecimento de mecânica de motos, sem tempo para treinar.
Conclui todas as provas que participei em 1983 com 6 voltas e em 1984 com 9 voltas (as 400cc deram 10 voltas), rodando 7,960 metros por volta no circuito antigo.
Muitos exemplos me fizeram insistir como : Camilo Christofáro, Alex Dias Ribeiro através do livro mais que vencedor, Nelson Piquet e outros teimosos e apaixonados pela velocidade.
Sem a colaboração das pessoas que citei, esse sonho não seria realizado.
Espero ajudar aqueles que acham impossível realizar algum objetivo e colocam obstáculos no caminho, com vontade e ajuda até de desconhecidos, o seu sonho pode se realizar.
Meu sincero agradecimento a todos os envolvidos nestes momentos que passei.
Antonio Carlos Contreras Muniz
Santos -SP.
Antonio Carlos Contreras Muniz
Santos - SP
contrerasmuniz@gmail.com