Seu Gregório, o famoso "Sujeira"

 

Neste meio eclético das motos clássicas em que vivemos, que parece pequeno para quem está de fora e grandioso e quase infinito para quem o convive, de tempos em tempos nossas mentes acabam que sem querer a pensar e lembrar do passado, " garimpando " momentos pitorescos, trazendo a tona passagens e fatos que marcaram as nossas vidas, lembrando dos grandes amigos que não o vemos mais, daqueles que partiram e já não estão mais nestas estradas e estão galgando as pistas sinuosas das serras e montanhas do andar de cima...

Dos nossos heróis do passado.

Um deles se chamava Gregório mais conhecido como " sujeira " de origem Polonêsa já de meia idade quando o conheci e com traços de muita vivência nesse mundo.

" Mecânico de mão cheia ", das antigas, foi antigo funcionário da extinta Retipar, única empresa no ramo de retíficas de automóveis no Paraná nos idos das décadas de 40 e 50 onde adquiriu muita bagagem no assunto até ser o pioneiro no mesmo assunto no início dos anos 60, montando o seu proprio negócio no que mais sabia fazer relacionando com as motos, suprindo a lacuna aberta por causa da carencia de mão de obra técnica a respeito.

O " seu " Gregório era daquele que fabricava pistões e peças na forja, que brunia e retificava cilindro em uma velha furadeira de " pescoço " toda folgada e gasta pelos anos de uso, mas que ele a usava com a experiência e as manhas dos anos de profissão, e dela tirava o máximo proveito, pois só ele sabia como "lidar com ela "...

Profundo conhecedor das motos antigas Européias e Americanas, em especial as Harley-Davidson, a qual eram as suas preferidas, enchia o peito e com o maior orgulho gostava de mostrar e falar sobre os seus dois exemplares que possuía de 1200cc ( uma verde e outra azul ) que estacionava na frente da sua oficina, um " barracão " cheio de peças de motos, máquinas como torno, frezadoras, plainas prensas, etc .

Lá pude ter oportunidade de ver motocicletas raras como AJS, DKW , Vitória, etc, em bom estado ainda e funcionando, e motos Japonesas em ótimo estado...

Situado na rua ao fundo do SENAI, escola em que eu estudava, pela porta do seu barracão por muito tempo eu só observava da cancha coberta, a sua movimentação e o ruído das máquinas operatrízes, lá de vêz em quando um ronco de uma moto, pequena ou grande cilindrada e no final da tarde recolher as HD para o barracão...

Tal era o seu conhecimento sobre motos que nunca as testava na rua, fazia a afinação de ouvido e ao entregar para o cliente dizia para testar e avaliar, conforme o seu gosto.

Na maioria das vêzes o freguês já ficava satisfeito na primeira volta na quadra.

Minha primeira moto que comprei aos 16 anos, uma CB 50 74 dourada, levei-a para uns acertos e foi aí então que pude conhecê-lo de perto.

Sempre sorridente e atencioso, mas de poucas palavras no início, com o passar dos anos já com a minha primeira RD 250, criei uma certa intimidade com ele, que era algo incomum.

E quando se perguntava a ele como foi possível resolver tal defeito ou probelema ele sempre respondia com as célebres palavras :

- Guri ! Isso se chama ciência, arte e conhecimento...

Com o tempo eu já sabia a resposta e não mais perguntava e sim gostava de comentar a respeito, aprofundando-se nos assuntos de mecânica...

Na hora de pagar a conta, o velho poupava seu precioso tempo e pedia para que trouxesse um maço de cigarro Hilton ou uma Garrafa de Whisky de origem Escocêsa... conforme o valor, que "tava" tudo resolvido.

Nunca me esqueço quando pediu para que eu mudasse a instalação elétrica do seu Torno de usinagem de lugar, o qual pediu me para tomar cuidado quando fosse conectar os cabos na rede trifásica pois não queria ver o motor elétrico roncar fazendo " HUMMMMMMMMM! Com mau contato sob o risco de queimar...

Homem de caráter puro e fiél aos amigos e clientes, atencioso com todo mundo, tanto foi que um belo dia destes acostumado a por uma placa de vende-se em uma das Harleys na frente da oficina sob a estratégia de propaganda e atrair cientela para a oficina, pois nunca quiz vendê-la, foi abordado por um "possível comprador" que pediu para dar uma volta no quarteirão e testar a moto dizendo estar realmente interessadíssimo em comprá-la...

Seu Gregório gentilmente lhe cedeu o favor e... passou alguns minutos... e nada...que absurdo !!!

Bom, não preciso terminar este triste fato. Com certeza este sujeito não deve ter enriquecido com este furto ao lesar um sujeito como o Seu Gregório e Deus deve ter castigado-o de alguma maneira para o resto da sua vida.

Bom, o saudoso Gregório foi um dos poucos personagens que a gente conhece neste mundo maravilhoso que as motos clássicas nos proporciona, pessoas diferentes que se sobressaiam perante aos até poucos aventureiros que se submetem "mexer" com velharias do passado, por puro prazer pela grandiosa causa de preservar o passado glorioso e não deixar que se apague...

Um héroi quase esquecido do passado...

Quanto ao apelido de "sujeira" alguém saberia dizer o porque o chamavam assim e porque praticamente morava dentro da sua oficina... como Burt Munrow na Nova Zelândia ?

Estas linhas são uma homenagem a muitos Burt e Gregórios que existiram e existem, verdadeiros Einsteins e heróis anônimos do motociclismo.

ALEX
aletunari@terra.com.br
Curitiba - PR