Já adianto que o texto não é de minha autoria (talvez, alguns achariam que estou escrevendo por despeito as comparações...), encontrei-o na revista Motor 3 de julho de 1980 e foi escrito por Fernando Almeida.

     

Um caso de puro ciúme

     

O plano era o seguinte: primeiro, uma curiosa tomada de contato com a nova CB-400 Twuin. Com o aumento gradual de intimidade, buscaríamos aquele ponto familiar ao motociclista, em que fica dificil definir o piloto e começa a máquina. Dificuldade à vista: descondicionar os reflexos desenvolvidos durante quatro anos de vida em comum com uma sensual 400 Four azul...

Assim, depois de assimilar bem a 400 Twin, viria a grande prova: um teste em conjunto das duas máquinas, alternando-as em diversas condições de uso, convivendo com elas num perfeito "ménage-à-trois" que certamente nos levaria a uma clara visão de suas diferenças.

Com essa idéia na cabeça, partimos para a conquista da 400 Twin. Foi facílimo. A bela máquina permitia uma boa posição ao piloto, que entretanto vai estranhar estar sentado mais alto e com as pernas mais abertas em virtude do tanque maior e mais largo que o da 400 Four.

O banco-rabeta, além de mais bonito era mais confortável, apesar de pouco prático de se abrir para o acesso a partes mais íntimas da moto. Comandos sem mistérios, painel menos "profissional" que o da 400 Four, o afogador melhor posicionado, os espelhos retrovisores dando maior segurança, devido ao guidom maior.

Partida fácil,o ronco civilizado e agradável de um motor sem vibrações, surpreendente num bicilíndrico.

A revelação do bom torque surgindo já em torno de 4.000 giros, seguindo uma curva mais suave do que a da 400 Four, é fruto provável do moderno projeto do motor. As duas válvulas de admissão por cilindro e o comando de válvulas judicioso, aliados ao desenho mais eficiente das câmaras de combustão e o escape duplo interligado, autorizam certamente o melhor comportamento em baixo regime, mesmo com a nossa gasolina amarela.

No trânsito e na estrada sempre tínhamos a sensação de contar com mais de 400 cc, tal a elasticidade do excelente motor (saudades da Norton, da BSA, antigas companheiras...), fazendo mesmo esquecer por alguns momentos o fiel e suave 4 cilindros da 400 Four, sempre ávido por giros mais altos. A estabilidade nos pareceu bastante boa, apesar de ser certamente inferior à da rival, com seu centro de gravidade mais baixo. (Estranha era aquela sensação de infidelidade, cada vez que estacionávamos a nova Honda ao lado da 400 Four.)

Foi, enfim, um amor à primeira vista, a ser confirmado mais tarde na planejada avaliação simultânea.

Antes, porém, a apreciação visual das duas 400, tantas vezes lado a lado na garagem, admiradas de todos os ângulos - e a conclusão sincera: a 400 Twin parecia moto de maior cilindrada, com seu "design" moderno, suas belas rodas Comstar.

Porém a 400 Four era mais sensual na austeridade de suas linhas sem apelo ao friso ou à carenagem, e com o charme imbatível de seu 4-em-1, de seu guidom pequeno e reto, enfim uma moto mais felina e provocante.

Passamos finalmente à segunda fase do plano: tremenda frustração! Por mais que se insistisse, a nossa 400 Four permanecia em silêncio, seu motor se recusava terminantemente a pegar.

Tentamos os mais ardilosos artifícios, chegando até ao absurdo de sussurrar palavras reconciliadoras, e nada! Silêncio, a máquina se recusava mesmo a funcionar, ela não admitia a comparação.

De puro ciúme.

Devolvemos com pesar a 400 Twin e no dia seguinte, como já esperávamos, a 400 Four pegou de imediato.

Como vocês vêem, essa discussão já vem de longe...

Carlos Trivellato  trivellato@speedybrasil.com.br

São Pedro - São Paulo