UMA AVENTURA INESQUECÍVEL NO SUL
Viagens longas de moto atualmente são muito frequentes, graças às melhores condições das estradas, às motos modernas, confortáveis, confiáveis e com grande aptidão para "engolir" quilometros facilmente !
A Serra do Rio do Rastro, em Santa Catarina, é um dos destinos preferidos dos aventureiros modernos... estrada sinuosa, perigosa, com muitos "cotovelos" e subidas íngremes.
Agora, imagine fazer essa viagem, a partir de São Paulo, numa Yamaha RX 125, com garupa em agosto de 1979 !
Foi o que fizeram os amigos Sylvestre Paschoal e Dorival ... vejam como foi a aventura !
Fonte: Jornal Yamaha News / out / 79
O jogo entre Brasil e Argentina, realizado no dia 23 de agosto, no Maracanã, deixou a maioria dos brasileiros preocupados com a seleção, que mais uma vez mostrou sua falta de criatividade, com as ausências de Sócrates e Falcão. Entretanto, algumas pessoas reagiram de maneira diferente diante da partida.
É o caso do preparador de motos da Equipe Sulorrran, e proprietário de uma Yamaha RX 125. Ele estava assistindo ao jogo na casa de um amigo. Diante da movimentação em campo, dos argentinos, Sylvestre lembrou-se de uma viagem que havia feito em sua lua-de-mel. Chegou para o amigo Dorival e disse: "Vamos agora, para a Argentina?"
O amigo não aceitou, mas fez outra sugestão: "Vamos para Santa Catarina, numa fazenda adiante de Lages. O meu irmão está lá, na casa de sua noiva."
Sylvestre acatou a idéia de imediato, deixando o amigo meio assustado. Saiu para encher o tanque e adaptou um tanque reserva que também foi abastecido.
Faltava o bagageiro... Como as lojas estavam fechadas, Sylvestre procurou um amigo, Alexandre, um dos proprietérios da Casarini & Cia - Revendedora Yamaha. Foram até a revenda e colocaram um bagageiro com bolsas laterais de fibra de vidro.
Tudo acertado, Sylvestre voltou à casa de Dorival. Passava de meia-noite e o amigo já estava dormindo. O rapaz acordou e arrumou sua bagagem. Estavam prontos para uma viagem de mais de mil quilometros sobre uma RX 125.
O que para muitos poderia ser uma considerada uma loucura, para os dois rapazes representava apenas uma pequena aventura.
"- Saímos de São Paulo com uma temperatura de 15º C. Rodamos 3 horas seguidas. O frio era intenso e estavamos com as mãos e os pés encharcados. Fomos obrigados a parar em Juquiá, e passar o resto da madrugada num hotel. Guardamos a moto em nosso quatro - o único disponível àquela hora - e o porteiro nos acordou às oito horas da manhã. Tomamos café, reabastecemos a moto, completamos o óleo de dois tempos e falamos quase ao mesmo tempo: - Rapaz, são mais de novecentos quilometros de frio !!"
A valente e carregada RX 125 !Sylvestre vai relatando sua viagem com a segurança de quem conhece motocicleta e para quem esta não foi a primeira nem a última viagem sobre duas rodas.
"Botamos o pé na estrada, e após andarmos alguns quilometros, avistamos a placa - Curitiba a 120 km. Andávamos a 100 Km/h, entre 6 a 7 mil rpm. Chegamos a Curitiba e encontramos um motoqueiro, com uma RS 125 Z, que nos guiou até uma revenda autorizada, a Yama-Center. Compramos duas velas e uma câmara de ar sobressalentes, pois tínhamos saído de São Paulo sem peças de reserva. Novo abastecimento, completamos o óleo, lubrifiquei a corrente e regulei os freios. Sabendo que faltavam 720 km, pegamos novamente a BR-116. Preocupados em ficar sem luz, parei no acostamento e passei fita isolante no farol e nas lentes dos piscas."
Dorival (mais alto) e Sylvestre ... ainda tem muito chão !Depois de rodar o restante da manhã os dois rapazes pararam em uma churrascaria para almoçar. Neste local aconteceu um fato inusitado.
"- Fomos tratados com a maravilhosa hospitalidade paranaense. O garçon trouxe uma ótima cachaça da região para o Dorival. Depois comemos uma variedade enorme de carnes. Um pouco antes de irmos embora, o mesmo garçon nos trouxe, escondido do patrão, um pacote. - Escondam estes quatro sanduíches para vocês comerem na viagem - exclamou apressadamente. Na hora de pagarmos a conta, ele marcou apenas "vinte contos" em cada uma das fichas. Fomos reclamar e ele respondeu que estava tudo certo, e que tinha muita vontade de fazer uma viagem como a que estávamos fazendo. Na saída, descobrimos uma Vespa muito bem conservada de propriedade do garçon."
Sylvestre e Dorival continuaram sua aventura. Ao passar a divisa do Paraná com Santa Catarina começaram a perceber a nova paisagem. A estrada era ladeada por pineiros e grande parte das habitações eram chalés de madeira.
Rodaram um pouco mais e chegaram em Lages, onde resolveram pernoitar. Ao dar uma volta pela cidade, perceberam que despertaram muita curiosidade nas pessoas, que ainda não estão acostumadas com motocicletas.
"- Na manhã seguinte, levantamos às 8 horas. A temperatura era de 2º apenas ! Revisei a moto, completei o óleo e regulei a corrente, que estava um pouco folgada. Tudo estava pronto para a grande viagem. Sim, porque a partir dali seriam 102 quilometros de terra até a fazenda.
Encarando a serra de terra !Andávamos a 90 km/h... mas depois de tomarmos uma fechada de um fusca, mantivemos a velocidade em torno dos 60 km/h. A estrada era maravilhosa. A mão do homem pouco tinha modificado aquele ambiente, onde reinava a vida animal e vegetal. Respirando o ar da montanha, e vendo lindos picos e baixadas, chegamos a Urubici, uma pequena cidade, sem acidentes e felizes da vida !
Cada vez mais difícil !Ainda faltavam 27 km de trilha onde só passavam carros de boi. Vencida mais essa etapa, chegamos à fazenda, um lugar maravilhoso, difícil de descrever !"
Os rapazes ficaram cinco dias curtindo a natureza e conhecendo lugares que o homem urbano dificilmente consegue imaginar. Neste período ocorreu um episódio que Sylvestre faz questão de lembrar:
"- Determinado dia uma vaca que tinha acabado de parir perdeu-se na montanha com seu bezerro. Selamos dois cavalos e fomos procurá-la. No começo da tarde peguei minha RX e subi a montanha. Levei três pequenos tombos, mas acabei localizando a vaca e sua cria. Peguei uma corda na moto e desci com os animais para a casa da fazenda. A minha moto dormiu na serra, com a chave do contato ligada. Nem consegui dormir direito preocupado com ela. No outro dia a primeira coisa que fiz foi ir buscá-la. Depois de procurar bastante, encontrei a RX caída com a luz de ponto morto ainda acesa, e coberta com uma tênue camada de gelo. Toquei a buzina e percebi que ela ainda estava "viva". Na segunda pedalada a moto pegou e desci a montanha !"
No dia 30 de agosto, às 6 horas da manhã, foi iniciada a viagem de volta. Dorival vinha pilotando, quando numa curva, se depararam com uma vaca desgarrada do rebanho e os dois foram ao chão. Com a queda, quebrou-se o manete do freio e o retrovisor direito. Ainda faltavam mais de mil quilometros para chegar a São Paulo. A viagem prosseguiu assim mesmo até Curitiba. Na Yama-Center, Sylvestre fez uma revisão na máquina e, novamente pé na estrada, andando entre 100 e 110 km/h.
"- Abastecemos pela últimas vez em Registro, a 202 km de São Paulo. Certos de que a viagem estava terminando, fizemos o trecho em duas hora e quatro minutos. Chegamos com total segurança. Foi uma viagem inesquecível, onde gastamos muito pouco dinheiro, pois a moto fez 24 km por litro, uma ótima média considerando que estávamos em dois, e conhecemos pessoas incríveis. Ao chegar me lembrei que no dia seguinte tinha muitos compromissos a cumprir, e se não fosse a minha RX, eu não conseguria fazer tudo num único dia !"
Sylvestre M. Paschoal
smpaschoal@uol.com.br
São Paulo - SP