Por: André Farah
andrefarah@predialnet.com.br
Cantagalo, RJ
ObjetivoAs motos de 03, 04 e 06 cilindros da década de 70 sempre foram uma paixão para mim... mas não vivi a época... sou da geração 80 que acelerava livremente as mobiletes sem camisa, descalço e sem capacete.... pulando quebra-molas, empinando arrastando o pé, cano sem miolo e pilotagem tipo "caveirinha" rs rs rs rs.... sim a década de 80 também teve sua libertinagem.... em nossas mentes... os pegas nas "mobi" com naftalina, óleo DT vermelho misturado com óleo de rícino... também eram grandiosos... alguns antológicos rs rs rs rs rs rs... mas volto as motos da década de 70... minha paixão se dá por esses projetos de uma época anterior a crise do petróleo em que a ultima preocupação dos engenheiros japoneses era o consumo de gasolina.... os projetos eram baseados em desempenho e equilíbrio dos motores...
Neste contexto... o fato é que sempre tive em mente possuir dois modelos de destaque dessa época... uma CB400F e uma GT380... sim... minhas pretensões não eram nada modestas he he he... mas também não eram de virtuosos modelos como a CB750K e a GT750 "Water Bufalo".
A primeira, que adquiri foi a CB400F comprada com muito esforço em março de 1998 na cidade de Nova Friburgo-RJ, em perfeito estado de conservação e que mantenho tratada a pão de ló... aliás, seu recibo de compra e venda já foi devidamente destruído rs rs rs.... depois de 08 anos foi a vez da GT380... essa coitada... em estado lastimável e que aqui pretendo registrar o processo de restauração
São duas máquinas de roncados distintos mas de arrepiar...
Assim, abaixo, vou tentar mostrar aos colegas um pouco do trabalho que venho desenvolvendo em parceria com meu pai... e aqui faço uma observação:
Nada melhor para unir pai e filho nas manhas e tardes de domingo e feriados rs rs rs rs rs....O modelo em questão é uma GT380L 1974 adquirida em completo estado de abandono e que devia estar encostada naquele canteiro de rodovia há vários anos sofrendo com as intempéries do clima...
Uma maldade se pensarmos em tão bela máquina que um dia já foi...Devido ao pouco tempo disponível que tenho para me dedicar a restauração e a grana que é sempre curta, o trabalho esta sendo realizado lentamente e aqui vou registrar as etapas já concluídas do processo de restauração.
Optamos por realizar todo o serviço e terceirizando apenas a galvanoplastia.Meu principal intuito de registrar o passo a passo de restauração da GT é de compartilhar informações, trocar experiências e absorver conhecimento de outras pessoas que dividem comigo essa paixão...
As fotos acima mostram o momento que a moto chegou a nossa casa, ainda em cima da Saveiro junto com um lote de peças “extras”.
No dia seguinte, consegui contabilizar realmente todas as peças que vieram junto com a moto, lavar tudo e guardar.
Nesse momento tive a real noção do estado geral e da encrenca que havia arrumado rs rs.As peças sobressalentes praticamente montavam uma segunda GT... porém algumas estavam sucateadas e outras em bom estado.
O engraçado que nessa época (maio-2006) eu achava que ao final do ano a bichinha já estaria rodando.... ôôôôôô ilusão... ha ha ha ha ha ha!!!!!!
Na foto acima esta o segundo motor que veio com a moto e que apesar de estar imundo estava em ótimas condições.
Quando desmontei pude verificar que a caixa de marchas estava com as engrenagens, trambulador e garfos em ótimo estado e o virabrequim estava com a montagem original... posteriormente isso foi de grande valia para a confecção do gabarito para a montagem das novas bielas e dos novos rolamentos.
Comprei uma bombona de 5 litros de sabão "brabo".... daqueles que descama a pele e a moto foi totalmente pulverizada... e o que saiu de sujeira, insetos e larvas não foi pouco ... acho que exterminei um ecossistema completo he he he he... no final o resultado foi muito bom, parecia até que tinha ficado bonito... rs rs rs mas mal sabia eu o que vinha pela frente !!
BOBINAS
As primeiras peças a serem restauradas foram as boninas de ignição... a moto esta equipada com bobinas da marca Nipodenso que estavam em estado deplorável... remendadas com durepox, a resina do envoltório quebrada... os cabos pareciam pedaços de vergalhão rs rs de tão duros e ressecados que estavam.
Como vieram 04 bobinas junto com a moto a primeira coisa que fizemos foi retirar todo durepox e testar para ver quais estavam em boas condições.
Por sorte todas estavam aparentemente em boas condições de funcionamento!
Assim foram feitas as reconstituições do envoltório com resina e instalados cabos novos.
Antes
Depois
A foto acima mostra as bobinas após o reparo e a reconstituição do envoltório com resina.
O resultado ficou muito bom e a emenda quase imperceptível.O chicote foi refeito com fios novos e por sorte, no meio do lote de peças estavam as borrachas que dão acabamento entre defletor do cabeçote e o cachimbo e servem com vedação .
RODAS
A moto ainda estava com os aros originais Takasago.
Tive um breve momento de indecisão entre cromar ou substituí-los por similares nacionais, mas no final, pesou a decisão de manter os originais, ambos estavam com as geometrias intactas, sendo apenas necessário enviar para a cromagem.Porém a raiação estava muito enferrujada e como os niples são constituídos de liga de cobre... a formação da pilha galvânica foi inevitável... o que praticamente inviabilizou a sua desmontagem.... mesmo a base de muito Santo WD-40 e fluído de freio... foi preciso cortar boa parte dos raios na base da esmerilhadeira.
Com os aros enviados a cromagem chegou a hora da esfolação de dedos... com o serviço de limpeza e polimento dos cubos.
O dianteiro estava pintado e foi necessário utilizar um solvente para retirar a tinta.
O serviço foi iniciado com uma lixa #1200, seguido por polimento com massa de polir em bastão... por fim dado acabamento com massa automotiva nº 2.
O resultado final ficou muito bom... mas os dedos doeram por mais de uma semana rs rs rs rs
Com a chegada dos aros da cromagem, as rodas foram montadas e devidamente centradas/alinhadas... .
O manual de serviço da Honda Falcon, possui um capitulo bem interessante sobre o balanceamento das rodas... para quem tiver paciência é possível também fazer o balanceamento da roda... o dianteiro eu fiz... o traseiro fica para uma outra ocasião...rs rs rs rs rs...
QUADRO
A preparação do quadro começou com um hidrojateamento para a retirada da tinta e da ferrugem!
Com o quadro "limpo", foram realizados pequenos reparos no suporte da dobradiça do banco e do batente da direção.
Após, foi dada uma primeira camada de fundo fosfatizante e depois a tinta de base.
A tinta utilizada como base foi o preto fosco vinílico catalisado, que provém uma ótima tinta de fundo.
TANQUE
O trabalho de preparação do tanque se iniciou com a retirada de todas as camadas sobrepostas de tinta que foram aplicadas ao longo dos anos, até chegarmos à lata!
Fizemos uma contagem e só em cores diferentes encontramos 04... fora as camadas de primer e repetição de tonalidades... no final apareceu até a cor original (Candy Gold).
Já a limpeza interna, exigiu um esforço bem maior, uma vez que além da ferrugem, havia gasolina oxidada na forma placas incrustadas no costado inferior do tanque.
A primeira providência foi montar uma parafernália com uma webcam para a inspeção interna do tanque.
Verificamos os locais onde havia as placas incrustadas e o estado geral da chapa interna... feito isso, passamos para o procedimento realizado para soltar as placas incrustadas.
O procedimento consistiu em aquecer externamente a região exata da incrustação em fogo brando até uma temperatura de + - 100ºC e depois resfriar bruscamente o tanque com água.
A dilatação e a retração brusca do costado faz com que a placa se solte por inteiro sem a necessidade de qualquer intervenção mecânica.Com isso conseguimos limpar todo o tanque ficando apenas a ferrugem.
Após a retirada dos incrustamentos, chegou a hora de utilizar um produto decapante para a retirada da ferrugem.
Dentre os vários produtos disponíveis optei pelo caldo de cana, que é um procedimento lento mas de ação eficaz e menos agressivo ao metal, sem contar que é ecologicamente correto rs rs rs rs.
Enchemos o tanque com garapa, adicionamos fermento de pão e deixamos fermentar...
Depois foi só retirar a cachaça.... digo, garapa azeda e inertizar internamente e aplicar o banho de níquel-quimico.
O Níquel-Quimico
Optamos por proteger o costado com um tipo especial de revestimento que aumenta a resistência a corrosão do metal sem a necessidade de retificadores elétricos ou anôdos para que ocorra a deposição do Metal.
Este banho é denomiando o Níquel-Quimico.No Níquel-Quimico a deposição do metal ocorre através da reação auto-catalítica entre Sulfato de Níquel e o Hipofosfito de Sódio em solução aquosa gerando um revestimento totalmente uniforme, inclusive nas extremidades e cantos vivos.
Abaixo se podem ver os componentes que geram a reação auto-catalitica e a deposição do metal.
Externamente foi aplicado um primer de base epox e partimos para a aquisição de tinta para a pintura do tipo tricold.
Graças a ajuda do Ralf – Caxias que gentilmente me cedeu uma peça para a amostra da tonalidade consegui adquirir a tinta para a realização da pintura que deu um trabalhão...
Já vi ótimos trabalhos de pintura onde as faixas dos tanques foram reproduzidas e pintadas por verdadeiros artistas com muita paciência e esmero... mas no nosso caso decidi reproduzir o adesivo a partir de fotografias no computador usando o corel draw e depois confeccionar o mesmo em uma plotter de alta definição...
A foto acima mostra o tanque já pintado, porem sem a camada de verniz e o modelo de adesivo elaborado em papel que posteriormente foi vetorizado no computador para a plotagem do adesivo.
AQUISIÇÃO DE PEÇAS
Num primeiro momento, montei uma lista com peças que de cara ou estavam condenadas para o uso ou não havia na moto... a lista foi extensa e confesso que fiquei espantado... mas bola para frente... como a grana é sempre curta.... sabia que deveria pesquisar e garimpar muito!!!
Fazendo uma pesquisa inicial, acabei descobrindo que a Suzuki utilizava algumas peças similares da GT380 em seus modelos atuais montados no Brasil, com isso pude adquirir peças como coxins, olhos de gato dos piscas e outros...a um preço razoável...
Outros locais em que fiz contato e em alguns casos acabei pro comprar algumas peças foram: no site do motosantigas, San Diego - SP e no Ralf em Caxias... mas grande parte das peças estou fazendo aquisição via ebay... infelizmente, diferentemente dos modelos da Yamaha e Honda... peças de Suzuki são mais difíceis de achar...
VIRABREQUIM
Como falei, junto da GT380 veio um segundo motor, que me permitiu realizar uma seleção das melhores peças para ser montado no motor que irá equipar a moto.
Optei por escolher o virabrequim que estava no motor que veio fora da moto e que pude confirmar que nunca havia sido desmontado.... porém, dessa vez teria todos os rolamentos, retentores e bielas substituídas.
Sempre fui alertado que a montagem desse virabrequim era complicada... por isso antes de desmontar o virabrequim, tivemos o cuidado de estudá-lo e mapear todas as suas medidas, pois além do alinhamento axial do eixo, deve-se tomar cuidado com espaçamento entre as bolachas, pois se não forem montadas na distância correta, certamente irão raspar na carcaça e/ou irão impedir que os rolamentos sejam assentados no locais corretos.
Depois de tirar todas as medidas, fabricamos um guia para facilitar o alinhamento das bolachas, um saca rolamentos e por ultimo um gabarito para a realização da montagem do eixo com a defasagem de 120º entre as bielas, garantindo o "ponto" do motor quando das respostas dos platinados.
Tudo pronto... começamos uma árdua busca pelo conjunto de bielas no ebay... que por azar meu ficou um grande período sem sequer ter um anuncio das "rod connecting"...
Após quase seis meses de espera e vários e-mails ao Paul Miller, que é um grande distribuidor de peças da Suzuki, obtive uma resposta e consegui sensibilizá-lo a anunciar um kit original completo no e-bay.... já estava até apelando no final...
Na foto acima esta demonstrado o guia para o alinhamento das bolachas.
A utilização do mesmo foi imprescindível para o posterior alinhamento fino com a utilização de um relógio comparador.
O guia é montado de forma a transpassar as duas bolachas após a montagem, facilita muito o serviço, pois enquanto o eixo esta sendo montado na prensa você pode fazer verificações para constatar se há excentricidade no alinhamento das bolachas
A "zeragem" do eixo foi realizada por etapas, sendo o término de montagem de cada bolacha, verificado o alinhamento através do relógio comparador assentado sobre o eixo sede dos rolamentos... com esse procedimento e muita paciência conseguimos "Zerar" o virabrequim.
Após a montagem da carcaça do motor com os apertos recomendados pelo fabricante, a boa noticia... o eixo estava girando livremente....sinal que o esforço de "zerar" o eixo valeu a pena!!
Na montagem utilizamos o silicone Loctite 5699 Grey.
Continua.... em breve penso em conseguir publicar outras etapas da minha restauração... até lá um abraço a todos...
02/05/2012:
Já com o quadro pintado e a parte ciclística pronta, começamos a montar a moto, mesmo sabendo que ainda iria percorrer um longo caminho, montar as suspensões e as rodas dá um gás no ânimo porque já começa a ficar com cara de moto.
Na suspensão dianteira acabei descobrindo que os retentores da CB400 nacional e as bengalas poderiam substituir perfeitamente as peças originais.
Os retentores possuem o mesmo dimensional, mas as bengalas são um pouco mais curtas e precisei fabricar um alongador que na montagem final fica invisível já que as orelhas do farol encobrem o trecho da bengala que fica entre a mesa inferior e a superior.
Isso evitou que a moto ficasse focinhada igual as motos que o pessoal modifica para supermotard.
E neste meio tempo a gente vai gastando o que não pode e mais peças foram compradas no Ralf e no e-bay, estas ultimas de varias partes do mundo, Austrália, EUA, China, Vietnam, Inglaterra, Japão, África do Sul, Canadá... Nova Zelândia e por aí vai...
Abaixo segue as fotos dos coletores de admissão originais e jogo de reparo dos carburadores.
A foto abaixo é um mimo que ganhei de um amigo do meu pai, eu não cheguei a conhecer isso nas lojas, mas muito legal para guardar de recordação.
Trata-se do MAX-LUB 2T da Bardahl... e se vc que esta lendo isso lembra desse óleo na prateleira das lojas o que tenho a te dizer é: - Tu ta ficando é velho heim rs rs rs rs.
Para receber esse óleo que veio com algumas peças de GT380, outras de GT750 e também de uma BMW R90 fui à casa do amigo de meu pai buscar, chegando lá ele me esperava na oficina de sua casa onde estava uma CB450 custom azul e branca em estado de 0km adormecida por mais de 15 anos...
Após eu comentar sobre a restauração da GT e elogiar a CB, vi que havia na parede da oficina um calendário antigo com ninguém menos do que Xuxa Meneghel, antes da recauchutada no nariz he he he he sentada numa GT750 azul...
Após um breve comentário meu sobre a 750 do tipo: - é um aparelho he he he... ele me mandou na hora sem olhar para o pôster.
Essa era a minha GT750!... nessa hora indaguei, -- pô moto bonita a sua era dessa cor também?
Foi que ele respondeu: - Não só dessa cor como é essa moto, você pode ver que há uma pequena mossa no tanque que foi gerada numa batida na quina desta bancada... e também há um adesivo da Petrobras escondendo um arranhão.Neste momento, fiquei um pouco em silencio contemplando a foto e conversamos mais um pouco e ele me falando das motos da década de 70... que hoje não se fazem mais motos como antigamente e de todas que já teve... de Suzuki a BMW... ao final, após absorver um pouco de sua experiência agradeci a gentileza dele trilhões de vezes com a promessa de que quando ficasse pronta iria levar para ele dar uma volta...
... e assim ela foi criando forma....
.... amigos, desculpe a falta de legenda no final... mas é porque me deu muita preguiça.
Um abraço a todos os amantes das nipônicas da década de 70 e aos criadores desse site que mantêm viva a chama das clássicas.